Ararinha-azul | |||||||||||||||
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Estado de conservação | |||||||||||||||
Em perigo crítico, possivelmente extinta na natureza (IUCN 3.1) [1] | |||||||||||||||
Classificação científica | |||||||||||||||
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Nome binomial | |||||||||||||||
Cyanopsitta spixii (Wagler, 1832) | |||||||||||||||
Distribuição geográfica | |||||||||||||||
A ararinha-azul[2] (nome científico: Cyanopsitta spixii, do grego: kuanos "azul-piscina; ciano" + do latim: psitta, "papagaio"; e spixii, em homenagem a Johann Baptist von Spix)[3] é uma espécie de ave da família Psittacidae endêmica do Brasil. É a única espécie descrita para o gênero Cyanopsitta. Outros vernáculos associados a esta espécie são arara-azul-de-spix e arara-celeste. Habitava matas de galeria dominadas por caraibeiras associadas a riachos sazonais no extremo norte do estado da Bahia, ao sul do rio São Francisco. Todos os registros históricos para a espécie estão localizados nos municípios de Juazeiro e Curaçá na Bahia. Há relatos não confirmados da presença da ave nos estados de Pernambuco e Piauí.
C. spixii mede cerca de 57 centímetros de comprimento e possui uma plumagem azul, variando de tons pálidos a vividos ao longo do corpo. Pouco se conhece sobre sua ecologia e comportamento na natureza. Sua dieta consistia principalmente de sementes de pinhão-bravo e faveleira. A nidificação era feita em caraibeiras, em ocos naturais ou feitos por pica-paus. O período de reprodução estava associado a época das chuvas.
Em decorrência do corte indiscriminado de árvores da caatinga e do tráfico ilegal, a população se reduziu até restar um único indivíduo, que desapareceu em 2000-2001. Está seriamente ameaçada de extinção, existindo somente 240[4] indivíduos em cativeiro (em janeiro de 2022), tendo sido declarada extinta na natureza pelo governo brasileiro e na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).[1] Em junho de 2016 foi registrado um indivíduo em matas ciliares de Curaçá, possivelmente libertado do cativeiro por algum morador local.[5]
Relações filogenéticas do gênero Cyanopsitta | |||||||||||||||||||||
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Cladograma inferido das sequências de DNA mitocondrial e nuclear proveniente de Tavares et al., 2006. |
A primeira descrição da espécie foi feita por Johann Baptist von Spix em 1824 com o nome de Arara hyacinthinus.[6] No entanto, o epíteto específico estava pré-ocupado pelo Psittacus hyacinthinus descrito por John Latham em 1790.[7] Johann Georg Wagler, que foi assistente de von Spix na publicação do livro de 1824, substituiu o nome científico da espécie para Sittace spixii em 1832.[8] Em 1854, Charles Lucien Bonaparte descreveu um novo gênero para a espécie, o Cyanopsitta, recombinando o nome científico para Cyanopsitta spixii.[9]
Ocasionalmente, a espécie foi inserida no gênero Ara.[10][11] Helmut Sick (1997) não considerava a Cyanopsitta spixii como uma arara, por suspeitar que a espécie possuía um maior relacionamento com as jandaias.[12] Análises moleculares demonstraram que o gênero Cyanopsitta está mais relacionado com os gêneros Primolius, Ara e Orthopsittaca do que com o Anodorhynchus e Aratinga.[13][14][15]
A espécie ocorria principalmente na margem sul do rio São Francisco em matas de galerias dominadas por caraibeiras (Tabebuia aurea). A área de registro histórico está situada na região do submédio São Francisco no noroeste da Bahia entre as cidades de Juazeiro e Abaré.[16] Os únicos registros confirmados estão nas proximidades da cidade de Juazeiro, onde o holótipo foi coletado em abril de 1819 por von Spix durante a Expedição Austríaca ao Brasil, e na área dos riachos Barra Grande-Melância no município de Curaçá, onde alguns indivíduos foram redescobertos em 1985-1986 e posteriormente em 1990.[16][17] Um registro não confirmado indicou também a presença da ave no riacho da Vargem situado nos municípios de Abaré e Chorrochó.[17][18] O único registro, baseado em informação local, ao norte do rio São Francisco no estado de Pernambuco, é proveniente do riacho da Brígida localizado nos municípios de Orocó e Parnamirim.[16][18] Dois registros são conhecidos para o estado do Piauí, um de 1903, quando Othmar Reiser relatou dois avistamentos próximos ao lago Parnaguá,[19] e outro em março-abril de 1975 na região de Serra Branca, por Niéde Guidon durante uma expedição arqueológica.[20]
Alguns autores consideravam a distribuição da ararinha-azul associada com os buritizais, indicando uma área de distribuição no sul do Piauí, extremo sul do Maranhão, noroeste de Goiás (hoje Tocantins), noroeste da Bahia e extremo sudoeste de Pernambuco.[21][22][23] Foi somente na década de 80 com a redescoberta da arara que observou-se que o habitat preferencial da ave estava associado com a caraibeira, que está restrita a margens e várzeas de riachos estacionais existentes na Caatinga, especialmente no submédio São Francisco.[17][18]
A ararinha-azul mede de 55-60 centímetros de comprimento, possui uma envergadura de 1,20 metros e pode pesar de 286 a 410 gramas.[24] A plumagem possui vários tons de azul. O ventre tem um tom pálido a esverdeado enquanto o dorso, asas e cauda tons mais vividos. As extremidades das asas e cauda são pretas. A fronte, bochechas e região do ouvido são azul-acinzentados.[25] O loro e o anel perioftálmico são nus e a pele é de coloração cinza-escura nos adultos.[25] A cauda é proporcionalmente mais longa e as asas mais longas e estreitas que as demais araras.[12] O bico é inteiramente preto e os pés são marrom-escuros a pretos. A íris é amarela.[25]
O juvenil se diferencia do adulto por apresentar a cauda mais curta, a íris cinza, a faixa nua na face mais clara e uma faixa branca na frente do cúlmen do bico.[25][26] Essas diferenças desaparecem quando a ave atinge a maturidade sexual. Apresenta dimorfismo sexual, sendo as fêmeas menores que os machos, quanto a plumagem não há diferenças.[25][26]
As informações sobre a ecologia e o comportamento da ararinha são limitadas, já que as pesquisas só começaram na década de 80, quando somente três indivíduos restavam na natureza.[27] Os dados obtidos da observação dos três últimos espécimes foram insuficientes para a dedução de informação confiável sobre as necessidades biológicas e de habitat da espécie.[28]
A alimentação consistia de flores, frutos, polpa, seiva e principalmente de sementes, sendo ao todo identificados 13 espécies de plantas na dieta do último indivíduo observado na natureza.[26] A dieta era composta principalmente de sementes de pinhão-bravo (Jatropha mollissima) e faveleira (Cnidoscolus quercifolius) que representavam cerca de 81% da dieta.[18] Outros fontes alimentares incluíam as vagens da caraibeira (Tabebuia aurea) e da baraúna (Schinopsis brasiliensis), e os frutos do joazeiro (Zizyphus joazeiro), do pau-de-colher (Maytenus spinosa) e de facheiros e outras cactáceas (Pilosocereus spp.).[16][18]
A estação reprodutiva estava relacionada com a época das chuvas, ocorrendo de outubro a março. A espécie era dependente de árvores da espécie Tabebuia aurea onde nidificavam.[18] O ninho era feito em ocos naturais ou feitos por pica-paus (Campephilus melanoleucos) e normalmente de dois a três ovos eram postos. Relatos feitos na observação do último exemplar na natureza, revelou que a espécie pernoitava em facheiros (Pilosocereus spp.), possivelmente para proteção.[18] A longevidade máxima registrada foi de 27 anos em um indivíduo em cativeiro.[29]
A ararinha-azul é classificada pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) como "em perigo crítico" (possivelmente extinta na natureza)[nota 1], na Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES) aparece no "Appendix I"[30] e pelo Ministério do Meio Ambiente como extinta na natureza desde 2002.[31]
O declínio populacional da espécie está associado com a perda do habitat, competição com abelhas africanizadas por ninhos, caça e tráfico de filhotes.[32] Durante as últimas décadas, o tráfico ilegal foi possivelmente a principal causa da extinção da espécie na natureza.[33]
A ararinha-azul é uma das aves mais raras e protegidas do mundo.[24] Em 2010, o número oficial de espécimes em cativeiro chegou a 73, distribuídos em cinco instituições. Destes, apenas seis poderiam ser encontrados no Brasil, sendo que dois estavam no zoológico de São Paulo. Apesar de serem um casal, as ararinhas-azuis do Zoológico de São Paulo nunca tiveram filhotes.
Em 2013, sete ovos foram fertilizados artificialmente, e dois deles desenvolveram filhotes, 26 dias depois. Em 2014, pela primeira vez, todos os três mantenedores produziram filhotes no mesmo ano e dois filhotes nasceram por incubação natural no Brasil. Em 2016, dois mantenedores externos produziram as primeiras ararinhas criadas pelos pais. Em 2017, finalmente, a população cativa começou a alcançar a estabilidade. Foram produzidos 20 filhotes em 2015, 23 em 2016 e 26 em 2017, totalizando o número recorde de 152 indivíduos em dezembro de 2017, sendo 11 no Brasil.[34]
Os pássaros resultam de um trabalho de pesquisadores para aumentar a população desses animais na natureza.
Em agosto de 2018, 146 das cerca de 160 ararinhas-azuis que existem no mundo viviam na Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados, em Rüdersdorf, na Alemanha. 120 delas vieram do Catar, transferidas em razão da morte do mantenedor da Instituição Preservação da Vida Selvagem Al Wabra, o xeque Saud bin Mohammed al-Than, em 2014, bem como pelo embargo econômico imposto ao Catar por Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Bahrein, em 2017. A meta do criatório é produzir cerca de 20 ararinhas por ano.[35]
Em outubro de 2014, o Brasil registrou o nascimento de duas Ararinhas-azul em um centro de conservação do interior de São Paulo, após 14 anos sem registros de nascimentos no país, de acordo com o Instituto Chico Mendes (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente.
De acordo com o governo brasileiro existiam em 2015, dos exemplares em cativeiro, apenas 11 no Brasil. Segundo nota do ICMbio, em 2015, foi registrado o nascimento de dois filhotes da espécie em um centro de pesquisa no interior de São Paulo.[36]
Em junho de 2018, existiam cerca de 158 indivíduos. No mesmo ano, um acordo assinado entre o Ministério do Meio Ambiente e organizações conservacionistas da Bélgica (Pairi Daiza Foundation) e da Alemanha (Association for the Conservation of Threatened Parrots), estabeleceu a "repatriação" de 50 ararinhas-azuis de volta ao Brasil, com previsão de que os animais estivessem em território nacional no primeiro trimestre de 2019. Com esses indivíduos, esperava-se que até 2022 a ararinha-azul fosse reintroduzida na natureza.[37]
O projeto de reintrodução da ararinha-azul no Brasil incluiu a criação de duas unidades de conservação na Bahia: o Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-azul, em Curaçá, e a Área de Proteção Ambiental da Ararinha-azul, em Juazeiro, além de um trabalho de conscientização feito junto à população local e a construção de um centro de reprodução e readaptação.[35] Em 2021, um casal teve três filhotes na região da caatinga baiana. Em 13 de abril, nasceu o primeiro filhote de ararinha-azul, 20 anos após a espécie ser declarada extinta no país, e outros dois nasceram nos dias 06 e 9 de junho.[38]
De acordo com o ICMBio, no dia 11 de junho de 2022 8 ararinhas-azuis, que estavam em reabilitação no Refúgio da Vida Silvestre da Ararinha-azul, foram soltas na natureza. A perspectiva é que ainda mais ararinhas-azuis passem pelo mesmo processo no decorrer dos anos seguintes, até que a espécie atinja estabilidade populacional.[39]
Em 2011, o filme de animação Rio teve como personagem principal uma ararinha-azul.[40] O filme teve uma continuação em 2014, Rio 2, que vê o protagonista Blu e sua família encontrando uma tribo de ararinhas na floresta amazônica - mesmo que na realidade elas venham da caatinga.[41]