Assembleia Constituinte foi a designação dada à assembleia parlamentar com funções constituintes prevista na Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, a qual foi eleita por sufrágio universal directo em eleições realizadas a 25 de Abril de 1975, com o objectivo específico de elaborar uma nova constituição para a República Portuguesa após a queda do Estado Novo em resultado da revolução de 25 de Abril de 1974. A Assembleia Constituinte concluiu a discussão da nova Constituição a 31 de Março de 1976, tendo a mesma sido aprovada em votação final global a 2 de Abril do mesmo ano. Promulgada naquele mesmo dia, passou a vigorar como a Constituição da República Portuguesa de 1976. A Assembleia Constituinte, terminados os seus trabalhos, dissolveu-se naquela data, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º da Lei que a criou.
Pela Lei n.º 2/74, de 14 de Maio, assinada pelo general António de Spínola, presidente da Junta de Salvação Nacional saída da Revolução dos Cravos, foram extintas a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa do Estado Novo. Nesse mesmo dia, pela Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, também emanada da Junta de Salvação Nacional, era definida a estrutura constitucional transitória que vigoraria até à entrada em vigor da nova Constituição.
Por aquela Lei, a Junta de salvação Nacional, além de publicar em anexo o Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas, fixava os órgãos que governariam Portugal no período de transição e criava (pelo artigo 3.º da Lei) uma Assembleia Constituinte à qual caberia elaborar e aprovar a nova Constituição Política.
A Assembleia Constituinte deveria aprovar a Constituição no prazo de noventa dias, contados a partir da data da verificação dos poderes dos seus membros, podendo, contudo, esse prazo ser prorrogado por igual período pelo Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado. Tal prazo veio a ser prorrogado por três vezes: pelos Decretos n.º 463-A/75, de 27 de Agosto, e 666-A/75, de 22 de Novembro, por períodos de mais 90 dias, e pelo Decreto n.º 160-A/76, de 26 de Fevereiro, por um período de mais 30 dias. A Assembleia Constituinte dissolvia-se automaticamente uma vez aprovada a Constituição (o que ocorreu a 2 de abril de 1976) ou decorrido que fosse aquele prazo, devendo, neste segundo caso, ser eleita nova Assembleia Constituinte no prazo de sessenta dias.
A Assembleia Constituinte deveria ser eleita por sufrágio universal, directo e secreto. O número de membros da Assembleia, os requisitos de elegibilidade dos Deputados, a organização dos círculos eleitorais e o processo de eleição seriam determinados pela lei eleitoral.
Cabia ao Governo Provisório nomear, no prazo de quinze dias, a contar da sua instalação, uma comissão para elaborar o projecto de lei eleitoral e elaborar, com base no projecto da comissão referida, uma proposta de lei eleitoral a submeter à aprovação do Conselho de Estado, de modo a estar publicada até 15 de novembro de 1974.
Ainda de acordo com a Lei 3/74, de 14 de maio, as eleições para Deputados à Assembleia Constituinte deveriam realizar-se até 31 de março de 1975, em data a fixar pelo Presidente da República, sendo a Assembleia Constituinte convocada dentro de quinze dias após a sua eleição. Contudo, devido ao atraso no processo de recenseamento eleitoral e uma vez que o Programa do Movimento das Forças Armadas estipulava que as eleições para a Assembleia Constituinte se deveriam realizar dentro de um prazo de 12 meses, diferiu-se o limite do prazo das eleições, através da Lei n.º 2/75, de 31 de Janeiro, para 25 de abril de 1975.
A 20 de fevereiro de 1975, decorre a primeira reunião do MFA (Conselho dos Vinte[nota 1]) com os principais partidos políticos (PCP, PPD, PS, MDP/CDE e CDS), para discutir a criação de uma plataforma de acordo constitucional. Todavia, devido ao desacordo, principalmente, do PS, PPD e CDS com certas medidas, as negociações só viriam a tomar novo ânimo após a tentativa de golpe de 11 de março. Golpe este que conduziu de uma forma acelerada, através da Lei n.º 5/75, de 14 de Março, à institucionalização do MFA, pela criação do Conselho da Revolução e da Assembleia do Movimento das Forças Armadas, e extinção da Junta de Salvação Nacional e do Conselho de Estado. Assim, a 11 de abril de 1975, representantes do Partido Socialista, Partido Comunista Português, Partido Popular Democrático, Centro Democrático Social, Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral e Frente Socialista Popular assinam a primeira Plataforma de Acordo Constitucional, também conhecida como Pacto MFA-Partidos, que vigorará até 26 de fevereiro de 1976, data em que se procede à sua revisão[1][2][3][4].
Este acordo, que tinha como objetivo primeiro estabelecer uma plataforma política comum, que possibilite a continuação da revolução política, económica e social, iniciada em 25 de Abril de 1974, garantia ao MFA o acompanhamento permanente dos trabalhos da Constituinte através da criação de uma comissão (acompanhamento este da Comissão do MFA oficializado através do artigo 83.º do Regimento da Assembleia), para além de assegurar que os seus termos iriam ser transpostos para a Constituição. O Pacto decretava então, simplificadamente, que:
Nos termos previstos na Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, foi criada por Resolução do Conselho de Ministros de 24 de Maio de 1974 uma comissão visando o estabelecimento de uma lei eleitoral para a Assembleia Constituinte. A Comissão levou a cabo os seus trabalhos entre 3 de Junho e 15 de Novembro de 1974.
Dos trabalhos da Comissão, e da discussão política que se seguiu, resultou a publicação dos seguintes diplomas:
Para além da legislação de enquadramento atrás apontada, o Governo Provisório e o Conselho da Revolução foram produzindo legislação avulsa sobre matéria eleitoral, entre a qual se destaca:
Nos termos do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, as eleições para a Assembleia Constituinte deveriam ocorrer até 31 de Março de 1975. Contudo, face aos atrasos na elaboração do recenseamento eleitoral e à instabilidade política que se vivia, pela Lei n.º 2/75, de 31 de Janeiro, foi alterado o prazo para realização das eleições, fixando-se então como data limite o dia 25 de Abril de 1975.
Concluído o recenseamento eleitoral, pelo Decreto n.º 53-A/75, de 11 de Fevereiro, foi marcado o dia 12 de Abril de 1975 como data de eleição dos Deputados à Assembleia Constituinte.
Contudo, aquela data foi alterada para 25 de Abril de 1975 pelo Decreto n.º 141-A/75, de 19 de Março, o qual invoca como razão a necessidade de dirimir conflitos provocados por identidades ou semelhanças de denominações, siglas ou símbolos de partidos existentes, e que alguns já invocaram, consigna prazos que levantam obstáculos impeditivos, por razões de ordem técnica, do cumprimento da data inicialmente decretada para o dia da eleição.
Eleita a Assembleia, pelo Decreto n.º 222-A/75, de 10 de Maio, foi a mesma convocada para reunir em sessão instaladora a 2 de Junho, com o fim de elaborar e aprovar a nova Constituição Política da República Portuguesa.
No acto eleitoral realizado a 25 de Abril de 1975, para o qual existiam 6.231.372 eleitores inscritos, votaram 5.711.829 (91,66%), tendo-se abstido apenas 519.543 (8,34%). Concorreram 14 partidos e movimentos cívicos, obtendo os seguintes resultados:
Partido | Votos | Votos (%) | Assentos | Assentos (%) | |
---|---|---|---|---|---|
Partido Socialista | 2 162 972 | 116 | 46,4% | ||
Partido Popular Democrático | 1 507 282 | 81 | 32,4% | ||
Partido Comunista Português | 711 935 | 30 | 12% | ||
Centro Democrático Social | 434 879 | 16 | 6,4% | ||
Movimento Democrático Português | 236 318 | 5 | 2% | ||
Frente Socialista Popular | 66 307 | 0 | 0% | ||
Movimento de Esquerda Socialista | 58 248 | 0 | 0% | ||
União Democrática Popular | 44 877 | 1 | 0,4% | ||
FEC(m-l) | 33 185 | 0 | 0% | ||
Partido Popular Monárquico | 32 526 | 0 | 0% | ||
Partido de Unidade Popular | 13 138 | 0 | 0% | ||
Liga Comunista Internacionalista | 10 835 | 0 | 0% | ||
Associação para a Defesa dos Interesses de Macau | 1 622 | 1 | 0,4% | ||
Centro Democrático de Macau | 1 030 | 0 | 0% | ||
Totais | 5 315 154 | 250 | |||
Votos em Branco | 0 | 0% | |||
Votos Nulos | 396 765 | 6,95% | |||
Participação | 5 711 919 | 91,66% | |||
Fonte: Comissão Nacional de Eleições |
Nos termos do Decreto-Lei n.º 137-E/75, de 17 de Março, foi impedida a participação nas eleições para a Assembleia Constituinte dos seguintes partidos: Partido da Democracia Cristã (PDC), Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP) e Aliança Operária Camponesa (AOC).
Concluído o processo eleitoral, a Assembleia Constituinte ficou constituída pelos seguintes deputados:
(2 mandatos: PPD)
(14 mandatos: PPD-7; PS-5; CDS-2)
(15 mandatos: PPD-7; PS-5; CDS-3)
(12 mandatos: PS-7; PPD-4; PCP-1)
(9 mandatos: PS-6; PPD-1; PCP-1; MDP/CDE-1)
(6 mandatos: PPD-3; PS-2; CDS-1)
(11 mandatos: PS-5; PPD-5; CDS-1)
(55 mandatos: PS-29; PCP-11; PPD-9; CDS-3; MDP/CDE-2; UDP-1)
(1 mandato: PS)
(36 mandatos: PS-18; PPD-12; CDS-3; PCP-2; MDP/CDE-1)
(13 mandatos: PS-8; PPD-3; PCP-2)
(16 mandatos: PS-7; PCP-7; PPD-1; MDP/CDE-1)
(6 mandatos: PPD-3; PS-2; CDS-1)
(10 mandatos: PPD-6; PS-2; CDS-2)
(1 mandato: PPD)
Por Resolução do Conselho de Ministros de 9 de Maio, publicado no Diário do Governo n.º 112/1975, Série I de 15 de Maio, é criada a Comissão Nacional Instaladora da Assembleia Constituinte, com a função de propor ao Governo a organização dos serviços que irão assegurar as actividades de informação e relações públicas, o apoio à Presidência e eventuais comissões e o funcionamento do sector administrativo, bem como um secretariado que assegure a execução das disposições que forem tomadas e possa garantir o bom funcionamento das actividades de apoio à Assembleia Constituinte depois de cessarem as funções da Comissão Nacional Instaladora.
A Comissão tomou posse de imediato e seria dissolvida trinta dias após o início dos trabalhos da Assembleia Constituinte. No entanto, para obviar a inconvenientes que poderiam surgir com a cessação de funções dessa Comissão, o mandato desta é inicialmente prorrogado por mais trinta dias, pela Resolução do Conselho de Ministros de 1 de Julho de 1975, publicada no Diário do Governo n.º 158/1975, Série I de 11 de Julho, e depois deliberado por Resolução do Conselho de Ministros de 11 de Agosto, publicado no Diário do Governo n.º 194/1975, Série I de 23 de Agosto, que esta se mantenha em funções até ao termo dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
Relativamente à remuneração dos membros da Comissão Nacional Instaladora da Assembleia Constituinte, estes recebiam, por cada reunião a que assistiam, uma senha, sendo o montante da senha de 150$00 (por reunião), segundo a Resolução do Conselho de Ministros de 20 de Maio de 1975, publicado no Diário do Governo n.º 126/1975, Série I de 2 de Junho.
Devido à inexistência de um Regimento da Assembleia Constituinte, por Resolução do Conselho de Ministros de 30 de maio de 1975, publicada no Diário do Governo n.º 126/1975, 3º Suplemento, Série I de 2 de Junho, foi criado um regimento provisório, por forma a estabelecer as normas provisórias para a instalação e funcionamento inicial da Assembleia Constituinte até à entrada em vigor do respectivo Regimento.
O Regimento da Assembleia Constituinte, publicado no Diário da Assembleia Constituinte, suplemento ao n.º 12, de 1 de Julho de 1975, e com entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Diário da Assembleia Constituinte (n.º 1 do artigo 84.º), definia a Assembleia Constituinte como a assembleia representativa do Povo Português para elaboração e aprovação da Constituição Política da República Portuguesa, e indicava como suas funções:
No total, 87 artigos, subdivididos por VII Títulos, sendo estes ainda divididos em Capítulos, constituem o Regimento da Assembleia Constituinte. Ficaram assim delimitados o mandato, poderes, e direitos e deveres dos deputados, bem como a organização (Mesa, Comissões e Grupos Parlamentares) e funcionamento (reuniões, uso da palavra, deliberações e votações, e processo de aprovação de projectos constitucionais) da Assembleia.
Por forma a conferir eficácia a algumas normas contidas no Regimento da Assembleia Constituinte, e assim atender ao conteúdo do n.º 2 do artigo 84.º, do referido Regimento, foram publicados no Diário do Governo n.º 214/1975, Série I de 16 de Setembro, por Resolução do Conselho de Ministros de 23 de Agosto de 1975, 15 artigos, dependentes de tais formalidades.
Pelo Decreto-Lei n.º 370/75, de 16 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 505/75, de 18 de Setembro, foi criado o Secretariado da Assembleia Constituinte. A este secretariado, exclusivamente constituído por funcionários públicos, foram-lhe atribuídas como principais funções prestar apoio administrativo e técnico considerados indispensáveis para o funcionamento da Assembleia Constituinte. Contudo, devido às características legais da própria Assembleia, o Secretariado cessou as suas funções após a Constituinte ter terminado a sua função, terminando também, automaticamente, com sua extinção, a comissão de serviço dos funcionários.
O Regimento da Assembleia Constituinte, a 2 de julho de 1975, e a Resolução do Conselho de Ministros de 23 de Agosto de 1975 atribuiu aos deputados o seguinte:
O n.º 2 do artigo 13.º, do Decreto-Lei n.º 621-A/74, de 15 de Novembro, já tinha estabelecido que, para além de um cartão especial de identificação, os deputados à Assembleia Constituinte teriam direito a um subsídio que o Governo fixasse por decreto. Nestes termos, e porque se tornou necessário regular vários outros aspetos, pelo Decreto-Lei n.º 491/75, de 8 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 677/75, de 6 de Dezembro (sendo este último alterado, por sua vez, pelo Decreto-Lei n.º 142/76, de 19 de Fevereiro), o Governo decretou:
O Decreto-Lei n.º 541-A/75, de 27 de Setembro, alterando a redacção do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 621-A/75, de 15 de Novembro decretou também que a função de Deputado à Assembleia Constituinte não é compatível com a de membro do Governo Provisório. Assim sendo, se um candidato eleito para a Assembleia Constituinte optar pela permanência ou participação no Governo, estabelece o artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 621-C/74, de 15 de Novembro, que o mandato seja conferido ao candidato seguinte na ordem de precedência indicada na declaração de candidatura. Contudo, finda a incompatibilidade por cessação de funções do membro do Governo, tomará este assento na Assembleia Constituinte, cessando o mandato do Deputado da mesma lista que figura em último lugar na ordem de precedência constante da declaração de candidatura.
De acordo com os resultados obtidos nas eleições para a Assembleia Constituinte a 25 de abril de 1975, foram eleitos 250 deputados, integrantes das listas dos seguintes partidos[5][6]:
Partidos | Deputados | Votos | Percentagem | |
---|---|---|---|---|
Associação de Defesa dos Interesses de Macau (ADIM) | 1 | 1 622 | 0,03% | |
Centro Democrático Social (CDS) | 16 | 434 879 | 7,61% | |
Movimento Democrático Português (MDP/CDE) | 5 | 236 318 | 4,14% | |
Partido Comunista Português (PCP) | 30 | 711 935 | 12,46% | |
Partido Popular Democrático (PPD) | 81 | 1 507 282 | 25,39% | |
Partido Socialista (PS) | 116 | 2 162 972 | 37,87% | |
União Democrática Popular (UDP) | 1 | 44 877 | 0,79% |
Durante os dez meses de funcionamento da Assembleia Constituinte, alguns dos Deputados eleitos não chegaram a exercer funções, por razões várias (desde doença a incompatibilidade por desempenho de funções governamentais). Tal facto, levou a diversas substituições, o que veio a permitir que no total tivessem exercido mandato 311 deputados.
Após a confirmação do mandato dos deputados eleitos por uma Comissão de Verificação de Poderes na primeira sessão de trabalho da Assembleia Constituinte (4 de Junho de 1975), na sessão seguinte, ou seja do dia 5 de junho, foi eleita a seguinte Mesa da Assembleia Constituinte[7]:
Os deputados da Assembleia Constituinte, "representantes de todo o povo português e não dos colégios eleitorais por que foram eleitos", segundo o seu Regimento, organizaram-se nos seguintes grupos parlamentares:
Grupo Parlamentar | Líder do Partido[6] | Líder do Grupo Parlamentar | Deputados | |
---|---|---|---|---|
Partido Socialista (PS) | Mário Soares | Lopes Cardoso[8] | 116 | |
Partido Popular Democrático (PPD)[9][10][11] | Francisco Sá Carneiro (maio '74 - maio '75)
Emídio Guerreiro (maio - set. '75)[12] Francisco Sá Carneiro (set. '75 - jan. '78) |
Mota Pinto (maio - dez. '75)[9][13] | 81 (abril - dez. '75) 60 (dez. '75 - fev. '76) 65 (fev. - março '76) 64 (março - junho '76) | |
Barbosa de Melo (dez. '75 - abril '76) | ||||
Independentes[10][9] | 21 (dez. '75 - fev. '76) 16 (fev. - março '76) 17 (março - abril '76) | |||
Partido Comunista Português (PCP) | Álvaro Cunhal | Octávio Pato[14] | 30 | |
Centro Democrático Social (CDS) | Freitas do Amaral | Víctor de Sá Machado[15] | 16 | |
Movimento Democrático Português (MDP/CDE) | José Manuel Tengarrinha | 5 | ||
União Democrática Popular (UDP) | João Pulido Valente | 1 | ||
Associação de Defesa dos Interesses de Macau (ADIM) | Diamantino de Oliveira Ferreira | 1 |
Durante a sessão n.º 92, em 10 de dezembro de 1975, um grupo de 20 deputados dissidentes do PPD[nota 69], que renunciaram à qualidade de membros do partido devido a divergências internas, adotaram o estatuto de Deputados Independentes. Nos dias seguintes, Abel Carneiro e José Gomes de Almeida desvinculam-se do PPD, passando também a deputados independentes. Contudo, ainda durante o mês de dezembro, Coelho de Sousa regressa ao PPD e é reintegrado no respetivo grupo parlamentar[11]. Em suma, em dezembro de 1975, 21 deputados do PPD[nota 70] transitam para deputados independentes[9][10].
Mais tarde, em fevereiro de 1976, mais cinco deputados[nota 71] são novamente reintegrados no grupo parlamentar do PPD.[11] Nívea Cruz, em março de 1976, é a última deputada a desvincular-se do PPD e a tornar-se deputada independente[11].
A Assembleia Constituinte durante a sua vigência realizou 132 sessões plenárias, sendo todas estas públicas. Destas, 108 foram dedicadas ao trabalho propriamente constituinte (discussão e votação do articulado que as comissões iam elaborando e propondo), e as 23 sessões sobrantes foram ocupadas do modo seguinte[16][7]:
No total, foram ocupadas quase 500 horas pelas sessões plenárias. De todo este tempo, 280 horas destinaram-se à discussão e votação da Constituição, 90 às 23 sessões acima citadas, e as restantes destinaram-se aos "períodos antes da Ordem do Dia" (períodos durante os quais se procedia à leitura de correspondência, os Deputados formulavam requerimentos dirigidos aos diversos departamentos ministeriais, e expunham questões várias de política geral relacionadas com as conjunturas que o país ia atravessando).
Foram ainda criadas 13 comissões especiais (constituídas cada uma por 11 a 12 deputados), segundo Henrique de Barros "as verdadeiras redatoras do articulado constitucional", ocupando 1000 horas, em 327 sessões, à porta fechada.[16]
Os trabalhos da Assembleia Constituinte e, consequentemente, o processo de elaboração da Constituição, podem ser analisados através do Diário da Assembleia Constituinte. Todavia, há que ter em atenção que o Diário reproduz, quase exclusivamente, os debates ocorridos no plenário da Assembleia, podendo ser difícil identificar a origem/justificação de alguns preceitos presentes na Constituição, pois tal debate, e subsequente elaboração, ocorreu predominantemente nas comissões. Tal, resulta do facto de as actas das Comissões não terem sido publicadas no Diário, não existindo, portanto, registos dos trabalhos das comissões, dos debates desenvolvidos, das propostas feitas, e das votações efectuadas, para além dos relatórios muito sucintos apresentados ao plenário a acompanhar os respectivos projectos, bem como das declarações de voto que acompanharam aqueles relatórios.[17]
Para além da Comissão de Verificação de Poderes, que era eleita pela Assembleia Constituinte sempre que um ou mais deputados eram substituídos, por forma a verificar os "poderes dos candidatos a deputados" (ou seja, a observância das normas processuais das candidaturas a eleição e das regras materiais de elegibilidade)[18], a Constituinte nomeou ainda mais 13 comissões[11][19]:
Comissão | Direção dos trabalhos | Partido | ||
---|---|---|---|---|
Comissão de Verificação de Poderes | Carlos Manuel Natividade da Costa Candal | Relator | PS | |
Comissão do Regimento da Assembleia Constituinte | António Cândido Miranda Macedo | Presidente | PS | |
Aquilino Ribeiro Machado | Relator | PS | ||
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda | Relator | PPD | ||
Comissão de Sistematização da Constituição | Nuno Aires Rodrigues dos Santos | Presidente | PPD | |
Vital Martins Moreira | Secretário | PCP | ||
João Alfredo Félix Vieira de Lima | Relator | PS | ||
Comissão dos Princípios Fundamentais | António Moreira Barbosa de Melo | Presidente | PPD | |
Maria Alda Nogueira | Secretária | PCP | ||
João Alfredo Félix Vieira de Lima | Relator | PS | ||
Comissão dos Direitos e Deveres Fundamentais (Títulos I e II) | Alberto Marques de Oliveira e Silva | Presidente | PS | |
José Pinheiro Lopes de Almeida | Secretário | PCP | ||
Manuel da Costa Andrade | Relator | PPD | ||
Comissão dos Direitos e Deveres Fundamentais (Título III) | José Manuel Niza Antunes Mendes | Presidente | PS | |
Hilário Manuel Marcelino Teixeira | Secretário | PCP | ||
Mário Campos Pinto | Relator | PPD | ||
Comissão da Organização Económica | António Carlos Ribeiro de Campos | Presidente | PS | |
Manuel Mendes Nobre de Gusmão | Secretário | PCP | ||
Alfredo António de Sousa | Relator | PPD | ||
Comissão da Organização do Poder Político | Olívio da Silva França | Presidente | PPD | |
Vital Martins Moreira | Secretário | PCP | ||
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal | Relator | PS | ||
Comissão dos Tribunais | Fernando Monteiro do Amaral | Presidente | PPD | |
José Pinheiro Lopes de Almeida | Secretário | PCP | ||
António José de Sousa Pereira | Relator | PS | ||
Comissão do Poder Local | Aquilino Ribeiro Machado | Presidente | PS | |
Francisco Miguel Duarte | Secretário | PCP | ||
Pedro Manuel Cruz Roseta | Relator | PPD | ||
Comissão das Regiões Autónomas | Jaime Gama | Presidente | PS | |
João Bosco S. Mota Amaral | Secretário | PPD | ||
Emanuel Nascimento Santos Rodrigues | Relator | PPD | ||
Comissão das Disposições Finais e Transitórias | Álvaro Monteiro | Presidente | PS | |
António José Sanches Esteves | Secretário | PS | ||
António Moreira Barbosa de Melo | Relator | PPD | ||
Comissão do Preâmbulo | Sophia de Melo Breyner Andresen Tavares | Presidente | PS | |
Armando António Correia | Secretário | PPD | ||
Manuel Alegre de Melo Duarte | Relator | PS | ||
Comissão de Redação Final | António Cândido Miranda Macedo | Presidente | PS | |
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda | Secretário | PPD | ||
Relator | ||||
Carlos Cardoso Lage | Relator | PS | ||
Vital Martins Moreira | Relator principal | PCP |
De acordo com o seu Regimento, e tentando reproduzir as relações de voto existentes no plenário da Assembleia, as comissões eram compostas por 4 deputados do PS, 3 do PPD, 2 do PCP, 1 do CDS e 1 do MDP/CDE, podendo os deputados únicos da UDP e da ADIM requerer a sua inclusão em qualquer comissão[nota 73].
Às comissões, não minimizando o trabalho do plenário, coube-lhes a elaboração da maior parte das matérias constantes na Constituição da República Portuguesa. Estas não se limitaram só a dar parecer sobre os vários projectos de Constituição apresentados pelos partidos, elaboraram elas um texto alternativo, que apresentaram como proposta autónoma ao plenário, e que, em alguns casos, ia muito além quanto ao desenvolvimento das matérias abrangidas (destacam-se aqui as comissões das regiões autónomas, do poder local, e da revisão constitucional)[nota 74]. Para além disso, quando surgiam dificuldades em encontrar consenso no plenário, as questões era remetidas novamente à comissão para esta elaborar uma nova proposta. A estes factos acresce ainda que, foi a última das comissões que procedeu à redação e harmonização do texto final da Constituição, que não se restringiu à redação propriamente dita, tendo introduzido, quer ao nível da sistematização, quer em determinadas soluções, algumas alterações substanciais.
Este papel de tão grande relevância das comissões na elaboração da Constituição deveu-se principalmente a: não ter havido uma votação dos projectos de Constituição dos partidos na generalidade, não tendo existido uma opção por nenhum deles como texto-base; ter sido necessário um compromisso em relação a cada um dos preceitos constitucionais, pois não existia uma maioria monopartidária capaz de os fazer aprovar por si só, nem haver uma coligação formal para esse efeito tornando; não ter havido uma discussão, em plenário, sobre cada parte ou capitulo da Constituição (antes do parecer da respectiva comissão)[nota 75], e os projectos de Constituição serem omissos ou demasiado sumários em alguns aspetos, o que resultou numa maior liberdade de trabalhos; e determinados acontecimentos terem desactualizado algumas matérias dos projectos originariamente apresentados, obrigando as comissões a reformular os respectivos capítulos constitucionais (nomeadamente, a revogação da primeira plataforma de acordo constitucional que obrigou a alterações na organização do poder político).[17]
Sempre que um ou mais deputados eram substituídos (e.g.: 4 de dezembro de 1975; 16 de janeiro de 1976) era constituída nova Comissão de Verificação de Poderes, tendo havido, ao longo do tempo, algumas alterações na sua composição.
Composição da Comissão de Verificação de Poderes, a 3 de junho de 1975:
Duração: 6 a 12 de junho de 1975.
Objetivos: reunir num texto único e coerente todas as contribuições consideradas válidas para o Regimento da Assembleia Constituinte.
Composição da Comissão:
Duração: 26 e 30 de junho, e 1, 2 e 3 de julho de 1975.
Assuntos tratados: esquema geral da sistematização da Constituição.
Composição da Comissão:
Substituições ocasionais:
Duração: 25, 28, 29, 30 e 31 de julho de 1975.
Assuntos tratados: discussão das matérias respeitantes à definição do Estado, à soberania, à cidadania, ao território e aos símbolos, à unidade, organização e funções do Estado e às relações internacionais.
Composição da Comissão:
Duração: 29, 30 e 31 de julho, e 1, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 28 e 29 de agosto de 1975.
Assuntos tratados:
Composição da Comissão:
Duração: 6, 8, 12, 13, 14, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29 de agosto e 1, 2, 3, 4, 5 e 8 de setembro de 1975 (em alguns destes dias ocorreram duas ou três sessões).
Assuntos tratados:
Composição da Comissão:
Substituições ocasionais:
Duração: 7 de agosto a 19 de novembro de 1975.
Assuntos tratados:
Composição da Comissão:
Duração: 6 de agosto a 20 de novembro de 1975 (38 sessões).
Assuntos tratados:
Composição da Comissão:
Substituições (ocasionais e permanentes):
Duração: 6, 13, 22, 27 e 28 de agosto, 3, 10, 12, 17, 18, 24, 25 e 26 de setembro, 8, 9, 10, 15, 16, 17, 24 e 29 de outubro, 5, 12 e 19 de novembro e 4, 5, 9 e 10 de dezembro de 1975.
Assuntos tratados:
Composição da Comissão:
Substituições ocasionais:
Duração: 17 de setembro de 1975 a 12 de janeiro de 1976 (32 sessões).
Assuntos tratados: soluções de restauração da democracia local.
Composição da Comissão:
Substituições ocasionais:
Duração: 13, 20 e 29 de agosto, 11 e 24 de setembro, 1, 2, 15, 16, 23 e 24 de outubro, e 12 de novembro de 1975; e 10, 11, 12 e 16 de março de 1976.
Assuntos tratados: definição do regime autónomo dos Açores e da Madeira.
Composição da Comissão:
Duração: 17, 18, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 de março de 1976 (14 sessões).
Assuntos tratados:
Composição da Comissão:
Substituições ocasionais:
Duração: 25, 26 e 30 de março de 1976.
Assuntos tratados: redação do texto do Preâmbulo da Constituição.
Composição da Comissão:
Duração: 5 de fevereiro a 1 de abril de 1976 (37 sessões);
Assuntos tratados:
Composição da Comissão:
Substituições ocasionais:
Entre 2 de junho de 1975 e 2 de abril de 1976, a "Ordem do Dia" das sessões plenárias da Assembleia Constituinte centraram-se nos seguintes acontecimentos[20]:
No dia 2 de junho de 1975, às 16 horas e 12 minutos, o Presidente Interino da Assembleia Constituinte, Henrique de Barros, toma a palavra para declarar aberta a sessão inaugural do primeiro Parlamento português eleito por sufrágio universal. Estiveram presentes, entre outros, o Presidente da República General Costa Gomes, que também discursou (fazendo menção à Plataforma Constitucional MFA-Partidos), o Primeiro-Ministro General Vasco Gonçalves e o representante do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Vice-Almirante Pinheiro de Azevedo. Henrique de Barros usa novamente da palavra, às 16 horas e 35 minutos, para encerrar a sessão.
A 4 de junho de 1975, foi aprovado o relatório da Comissão de Verificação de Poderes, confirmando o mandato dos deputados eleitos em 25 de Abril de 1975.
Na sessão nº 3, em 5 de junho de 1975, foi eleita para a Mesa da Assembleia Constituinte a proposta conjunta dos grupos parlamentares do PCP, PPD e PS.
Nesse mesmo dia, a 5 de junho, é aprovada uma proposta do PS relativa à criação da Comissão do Regimento. Ainda nessa sessão, ficou decidido por unanimidade dar como prazo para apresentação do Projecto de Regimento o dia 12 desse mês. Nas sessões plenárias de 16 a 23 de junho de 1975, foi discutido o Regimento da Assembleia Constituinte. Tendo sido, na primeira sessão referida, aprovado na generalidade o projecto de Regimento e, na segunda sessão, concluído o debate e votado na especialidade o texto final do referido Regimento.
A Assembleia Constituinte definiu o dia 1 de julho de 1975 como data limite para apresentação dos projectos de Constituição pelos seis partidos políticos com assento parlamentar (CDS, MDP/CDE, PCP, PPD, PS e UDP). Logo na primeira sessão após esta data, a 4 de julho, iniciou-se o debate na generalidade sobre a proposta global de sistematização da Constituição. A este debate, a partir de 8 de julho e até dia 23 desse mês, foi acrescida a discussão na generalidade dos projetos de Constituição[21]. A 24 de julho, foi aprovada a proposta de sistematização geral da Constituição, apresentada pela Comissão de Sistematização.
No plenário de 31 de julho de 1975, foi apresentado o parecer da Comissão dos "Princípios Fundamentais", iniciando-se o respectivo debate na generalidade, tendo o parecer sido aprovado (com 188 votos a favor, 1 contra e 16 abstenções), a 6 de agosto. A discussão e votação na especialidade iniciou-se na sessão seguinte (7 de agosto) e concluiu-se no dia 12 de agosto.
Ainda na sessão n.º 29, em 12 de agosto, foi apresentado o parecer da Comissão sobre "Direitos e Deveres Fundamentais"- Títulos I e II, iniciando-se, na sessão seguinte, o debate na generalidade. A aprovação na generalidade do parecer da Comissão dos "Direitos e Deveres Fundamentais"- Títulos I e II (com 2 votos contra e 11 abstenções), ocorreu a 19 de agosto, iniciou-se nesse mesmo dia o debate na especialidade, que durou até 9 de setembro.
Nos dias 9 e 10 de setembro de 1975 ocorreu, respetivamente, a apreciação do parecer e relatório da Comissão sobre "Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais", e o debate na generalidade, tendo a aprovação do parecer (com 3 votos contra e 2 abstenções) sido feita na sessão de dia 12 de setembro. Dia esse em que se iniciou também o debate na especialidade. O debate e votação na especialidade apenas terminou a 21 de outubro.
O parecer e relatório da Comissão sobre "Organização Económica" foi apresentado em 16 de outubro, o debate na generalidade iniciado a 21, e a aprovação do parecer (com 155 votos a favor e 11 contra) e inicio do debate na especialidade a 24 desse mês. No dia 19 de novembro, foi concluída a discussão e votação na especialidade.
Também a 21 de novembro, foi divulgado o articulado proposto pela Comissão sobre "Organização do Poder Político", mas, devido à falta de quórum necessário para o prosseguimento da apreciação da decisão da Mesa os trabalhos foram adiados para o plenário seguinte e a sessão encerrada. No entanto, no dia 25 de novembro de 1975, devido à tentativa de Golpe Militar, aprovou-se uma moção que suspendeu o funcionamento da Assembleia Constituinte, sendo que o reinício dos trabalhos teve lugar apenas a 2 de dezembro, dia em que foi aprovado o relatório e parecer da Comissão da "Organização do Poder Político", e se iniciou o debate na generalidade. Na sessão de 10 de dezembro, deu-se por concluído o debate na generalidade dobre o relatório da Comissão da "Organização do Poder Político". Contudo, a votação foi suspensa, por forma a serem incidas diligências junto do Conselho da Revolução para se proceder a uma revisão da Plataforma de Acordo Constitucional.
A Assembleia Constituinte tinha apenas a incumbência de elaborar e aprovar a Constituição, o que acabou por acontecer com a aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976, a 2 de Abril de 1976, dez meses depois de ter sido eleita e iniciados os trabalhos. Contudo, apesar de não ter competências de fiscalização política ou mesmo legislativas (tal não aconteceu com as anteriores), foi um importante fórum político que serviu para condensar a discussão sobre a política social e económica do país, sendo para tal reservando o período inicial de cada sessão (período de "antes da Ordem do Dia")[16].
No "período antes da ordem do dia" da sessão de 24 de junho de 1975, é assinalada a independência de Moçambique, a ser proclamada no dia seguinte (25 de junho), através da leitura de um telegrama enviado pelo Presidente da Assembleia Constituinte ao Presidente de Moçambique, Samora Machel[22]. Da mesma forma, a 4 de julho, Henrique de Barros anunciou à Constituinte que no dia seguinte iria enviar um telegrama à Assembleia Nacional do Povo de Cabo Verde felicitando a antiga colónia portuguesa pela próxima independência (proclamada a 5 de julho). A independência de S. Tomé e Princípe foi também mencionada, a 10 de julho (apesar de a proclamação ter sido dia 12), pela leitura de um telegrama de felicitações que o Presidente da Assembleia Constituinte enviou à Assembleia de S. Tomé e Príncipe. Já a 11 de novembro, dia da proclamação da independência de Angola, esta foi marcada por um debate na Câmara, no "período antes da ordem do dia".
Apresentado a 8 de julho de 1975, pela Assembleia do MFA, o Documento-Guia da Aliança Povo-MFA fortalecia a posição do Conselho da Revolução (“órgão máximo da soberania nacional”), que tutelava uma Assembleia Popular Nacional bicameral, constituída pela Assembleia do MFA e por uma assembleia civil. Esta última assembleia, em contra-mão com o Pacto MFA-Partido e o seu próprio "Plano de Acção Política"[nota 76], que havia sido divulgado a 21 de junho, eliminava a participação dos partidos políticos como tais, bem como a eleição directa por sufrágio universal, ou seja, a formação da Assembleia Nacional cívil passaria elaborar-se da seguinte forma: as Comissões de Moradores e de Trabalhadores (e/ou outras organizações de base popular) formariam Assembleias Populares Locais ou de Freguesia; estas, por sua vez, criariam Assembleias Municipais, e assim sucessivamente até à Assembleia Popular Nacional. Contudo, todo este processo seria acompanhado e "incentivado" de perto pelo MFA, como "movimento suprapartidário", começando a sua "participação física" nas Assembleias Municipais e Distritais, através dos delegados das Assembleias de Unidades do Exército, Marinha, Força Aérea e Forças de Segurança (ADU'S). Nas Assembleias Regionais essa atividade seria desempenhada pelas ADR'S e, por fim, na Assembleia Nacional pela Assembleia do MFA. Resumidamente, a Assembleia Popular Nacional resultava da constituição de sucessivas assembleias, a partir de comissões de moradores e de trabalhadores, cuja devoção revolucionária era previamente estabelecida pelo MFA.[2][23][24]
No dia 10 de julho, partidos e outros grupos de extrema-esquerda organizaram uma manifestação de apoio ao "Documento-Guia", tendo sido recebidos por Costa Gomes e Vasco Gonçalves, que discursaram (foram visíveis, no entanto, as diferenças de conteúdo dos dois discursos).[25] Ainda nesse mesmo dia, o jornal "República", um dos poucos órgãos de informação não comunista, reaparece orientado por uma "Comissão Coordenadora de Trabalhadores", após ter sido, a 19 de maio, ocupado pelos trabalhadores de extrema-esquerda e Raul Rêgo, socialista, afastado da direção (originando o Caso República, caso que veio a ter grande repercussão internacional).
Todavia, este Documento gerou de imediato fortes protesto por parte do PS, PPD e CDS visíveis, quer no debate do período "antes da ordem do dia" das sessões n.º 14 e 15, em 10 e 11 de julho, respetivamente, quer pelo abandono dos ministros do PS do IV Governo Provisório, a 10 de julho, e do PPD, uma semana depois, como forma de protesto pela ocupação do "República" e pelo "Documento-Guia".[2][24][26][27]
Seguem-se dias agitados, com manifestações e destruição de sedes partidárias: a 15 de julho, em solidariedade com os ministros demissionários, o PS convoca uma manifestação onde é exigida a demissão de Vasco Gonçalves. Para, logo no dia seguinte (16 de julho), Comissões de Trabalhadores, apoiadas pelo PCP, manifestarem-se em Lisboa e no Porto, reivindicando a dissolução da Assembleia Constituinte. Destacam-se, no entanto, os comícios do PS de 18 e 19 de julho, no Estádio das Antas e na Alameda D. Afonso Henriques (Fonte Luminosa), respetivamente. Perante mais de 100.000 pessoas, no Comício da Fonte Luminosa, o último orador do dia[nota 77], Mário Soares, que se havia aproximado da Igreja Católica (em parte devido à ocupação da Rádio Renascença), bradava "Nós não temos medo" e avisava "o PS pode paralisar o país", afirmando assim o Partido Socialista como principal partido anti-comunista, exigindo a demissão de Vasco Gonçalves e insurgindo-se contra os dirigentes comunistas (comunistas estes que, conjuntamente com o COPCON, se haviam barricado nos acessos a Lisboa, para travar uma "marcha sobre Lisboa") e da Intersindical. A multidão, que protestava contra a ameaça de uma ditadura comunista e as correntes terceiro-mundistas, apoiava o líder socialista gritando "É preciso respeitar a vontade popular" e "O povo não está com o MFA".[27][28][29][30]
O IV Governo Provisório acaba por cair, contudo é Vasco Gonçalves novamente a liderar o V Governo Provisório. Tal, resulta na publicitação (após ter sido também entregue a Costa Gomes), a 7 de agosto, do "Documento dos Nove", também conhecido por "Documento Melo Antunes", no qual se opunham às teses do Documento-Guia da Aliança Povo-MFA. Este documento, subscrito pelo pelo Grupo dos Nove[nota 78], a fação moderada do MFA (que seriam mais tarde suspensos de funções do Conselho da Revolução), e apoiado principalmente pelo PS, facto observado logo na sessão de dia 8 de agosto, rejeita simultaneamente o modelo soviético para o qual Portugal estava a caminhar, contrariando desta forma a crescente influência e hegemonia do PCP, mas também o modelo social-democrata, capitalista. É oferecido, em contrapartida, um projeto socialista, alcançado de forma gradual, adequado à realidade portuguesa, mas baseado na democracia política, pluralista.[24][31][32]
Na semana seguinte, a 13 de agosto, em contraposição ao "Documento dos Nove", Otelo Saraiva de Carvalho propõe uma alternativa política de extrema-esquerda, baseada no "poder popular". A "Autocrítica revolucionada do COPCON e proposta de trabalho para um programa político", ou "Documento do COPCON", surge então, redigida por Mário Tomé e inspirada ideologicamente pelo Partido Revolucionário do Proletariado/Brigadas Revolucionárias (PRP-BR), Movimento de Esquerda Socialista (MES) e União Democrática Popular (UDP) (o apoio deste último partido foi também demonstrado na Assembleia Constituinte, na sessão decorrida nesse dia).[33]
Os dias que se seguiram a estes acontecimentos apenas contribuíram para a radicalização de opiniões, com ameaças de golpes, greves, manifestações e destruição de sedes partidárias. O povo português, mobilizado pelo PCP e pelo PS, divide-se: enquanto o PS exige a demissão do V Governo Provisório (com o incremento de hostilidades sobretudo no Norte e Centro do país), o PCP protesta contra a "violência reaccionária". Perante esta situação, visível quer nas ruas, quer nos discursos proferidos pelos deputados da Constituinte (PS/PPD/CDS vs. PCP/MDP/UDP), Otelo Saraiva de Carvalho e o Grupo dos Nove reúnem-se para a discussão do "Plano Político do MFA", um documento de convergência. Nesse mesmo dia, 19 de agosto, é preparada a queda de Vasco Gonçalves (que no dia anterior tinha discursado em Almada, afirmando que "chegou a hora da verdade da Revolução Portuguesa"). Este documento nunca verá a luz do dia, devido a divergências internas, contudo, após a criação da Frente Unida Revolucionaria (FUR)[nota 79], a rotura entre Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Gonçalves, e as denúncias de Hierarquia militar|Oficiais da 5ª Divisão do carácter reaccionário da acção do COPCON, o V Governo Provisório cai e iniciam-se diligências para a formação do VI Governo Provisório, liderado por Pinheiro de Azevedo, que tomará posse já em 16 de setembro de 1975.[24][34]
Até 25 de novembro, não são visíveis diferenças significativas, pois ocorre: um assalto à embaixada de Espanha em Lisboa (para contestar a sentença de morte por garrote de dois separatistas bascos), são lançadas bombas de fumo no Terreiro do Paço numa manifestação de apoio ao Governo de Pinheiro de Azevedo, o recém-criado Agrupamento Militar de Intervenção (AMI) faz explodir os emissores da rádio Renascença, os deputados à Constituinte criticam o Pacto MFA-Partidos e exigem a sua revisão, e, a 6 de novembro, o é emitido o célebre frente-a-frente entre Soares e Cunhal, no qual o secretário-geral socialista acusou o PCP de querer transformar Portugal numa ditadura comunista. Até aquela data, Portugal caminhava a passos largos para uma guerra civil.[24][27][34]
A 12 de novembro de 1975, um grupo de cerca de 100 000 manifestantes, na sua maioria trabalhadores da construção civil que reivindicavam a assinatura de um contrato coletivo de trabalho, cercaram o Palácio de São Bento, onde decorriam os trabalhos da Assembleia Constituinte, e a residência oficial do Primeiro-Ministro, contígua ao Palácio de São Bento. A manifestação, durante 36 horas, impediu a saída dos deputados do Parlamento e manteve sequestrado, dentro do Palacete de São Bento, o Chefe do Governo Pinheiro de Azevedo[35]. Ao fim da manhã do dia 13 de novembro, conseguem finalmente sair de São Bento, por entre alas de manifestantes. No entanto, enquanto alguns deputados são apupados, outros (sobretudos aqueles pertencentes a partidos à esquerda do PS, o PCP e o MDP) são vitoriados, respondendo aos manifestantes com punhos erguidos[36][37].
Ainda no calor do "Verão Quente" (que se havia iniciado com a tentativa gorada de Golpe de estado de 11 de março, por militares afetos ao General Spínola)[38][27], dois dias antes do Cerco à Constituinte, a 10 de novembro de 1975, teve início uma greve dos trabalhadores da construção civil. Os manifestantes pretendiam reunir com o ministro do Trabalho, no dia 12. No entanto, nesse dia o VI Governo Provisório manda encerrar o Ministério do Trabalho, tendo então os manifestantes decidido dirigir-se para o Palácio de São Bento, pretendendo permanecer lá até que o Governo aceitasse um acordo que lhes fosse favorável (este acordo é alcançado, na madrugada de dia 14 de novembro, entre os dirigentes sindicais e Pinheiro de Azevedo, após várias reuniões, no qual o primeiro-ministro se compromete a colocar em vigor o Contrato Coletivo de Trabalho a partir de 27 de novembro)[37][39].
Logo no dia seguinte à grande manifestação (14 de novembro de 1975), os deputados do PS, do PPD e do CDS deslocam-se para o Porto, de onde só voltaram dia 17, argumentando falta de condições de segurança para reunir no Parlamento, devido à convocação de uma nova manifestação contra o Governo para dia 16 de novembro[35][40] .
Os trabalhos da Assembleia Constituinte são retomados dia 18 de novembro, tendo a sessão sido marcada pela discussão dos acontecimentos passados: ora o PCP e o MDP criticavam a atuação "antipopular" do VI Governo Provisório e a decisão tomada pelo PS, PPD e CDS, e louvavam a manifestação dos trabalhadores; ora PS e PPD, no sentido oposto, defendiam o significado político da deslocação para o Porto, e criticavam a posição do PCP e da extrema-esquerda, em geral, bem como a atuação dos manifestantes (que não eram apenas operários), na tentativa de derrube do VI Governo Provisório, e até o comportamento das autoridades militares[35][40]. Neste seguimento, na sessão de 20 de novembro, foi aprovada, por maioria dos deputados presentes (a bancada do PCP havia abandonado o hemiciclo), uma declaração do grupo parlamentar do PS, na qual se manifestava a intenção de a Assembleia Constituinte reunir, nos termos regimentais, em qualquer momento e em qualquer local, se tal viesse a ser necessário[35][41].
Por fim, a 25 de novembro foi aprovada uma moção, na sequência da ocupação de várias instalações militares, na qual se apoiava os esforços das autoridades revolucionárias não sediciosas, reafirmava-se o estipulado na declaração votada a 20 de novembro, e suspendia-se o funcionamento da Assembleia Constituinte[7][35] (o Governo Provisório já se havia auto-suspenso a 19 de novembro por falta de garantias para poder governar, e só retomaria funções a 28 de novembro[38]). Os trabalhos da Assembleia Constituinte foram retomados a 2 de dezembro de 1975, cujo período "antes da ordem do dia" se centrou no debate da tentativa de Golpe Militar de 25 de novembro[35][42] (cujo fracasso resultou no fim do PREC, na extinção do COPCON, e definiu o regime democrático-parlamentar atual[27]). Tendo sido nesta sessão, principalmente, condenados o golpe fracassado e seus intervenientes, e louvada a vitória da democracia e da liberdade[42].
Na sessão n.º 84, em 21 de novembro, devido à morte do ditador Francisco Franco no dia anterior (que iniciou o período de Transição Espanhola), o Grupo Parlamentar do CDS propôs à Câmara um voto de saudação ao povo de Espanha[nota 80], que foi aprovado com 19 abstenções (MDP/CDE e PCP), no qual se exprime o desejo de triunfo das forças democráticas espanholas.
Após sucessivas violações por parte do próprio MFA do Pacto, em dezembro de 1975, o Conselho da Revolução aceitou negociar a revisão da Plataforma de Acordo Constitucional e, ainda nesse mês, os partidos com assento parlamentar apresentaram as suas propostas sobre a revisão da Plataforma. Porém, uma contraproposta do Conselho da Revolução, apresentada em janeiro de 1976, transformou o processo de revisão num processo de substituição da referida Plataforma. Abertas as negociações, seguiram-se dias de reuniões, comentários e sugestões escritas à contraproposta, que duraram até à véspera da assinatura.
A Segunda Plataforma de Acordo Constitucional foi, por fim, assinada a 26 de fevereiro de 1976, entre os partidos com representação na Constituinte e o Conselho da Revolução. Nela foi eliminada definitivamente a Assembleia do MFA (já extinta pela Lei n.º 17/75, de 26 de Dezembro), mas mesmo assim preservado o princípio da institucionalização deste, através da manutenção do Conselho da Revolução como órgão de soberania [transitivo]. Embora, agora com poderes mais restritos, o Conselho da Revolução continuava a aconselhar o Presidente da República e ter poderes, assistido por um órgão consultivo - a Comissão Constitucional, de fiscalização da inconstitucionalidade das leis e da inconstitucionalidade por omissão, bem como exclusiva competência para legislar sobre os assuntos militares. A nova Plataforma determinava ainda a eleição do Presidente da República por sufrágio direto e universal, detendo este também, para além da presidência do Conselho, os poderes de dissolução do parlamento e de nomeação e demissão do primeiro-ministro e, consequentemente, do Governo (embora passasse a partilhar estes últimos com a Assembleia Legislativa).[2][4][43]
Os partidos, com o rigor que lhes era exigido, transpuseram para a Constituição os termos acordados na 2.ª Plataforma, criando assim um regime democrático constitucional, comummente designado regime semipresidencialista. Porém, até ao final da I Legislatura (1980), o regime de exceção não estaria totalmente encerrado, pois constitucionalmente tinha-se iniciado um período de transição.[2][4]
A 7 de novembro de 1975, devido à difícil situação política que o país atravessava, o deputado Sotttomayor Cardia (PS), critica a 1.ª Plataforma, alegando que "o pacto não serve o MFA nem a autoridade do Estado", pois a instituição militar exerceria simultaneamente as funções de senado e tribunal constitucional (poder legislativo e poder judicial), para além de ter que se envolver, obrigatoriamente, com os partidos para a eleição do Presidente da República.
Após a tentativa de golpe contra-revolucionário, a 2 de dezembro, o grupo parlamentar do PPD apresentou uma proposta[nota 81] para adiar a apreciação na generalidade do parecer da Comissão do "Poder Político" (5.ª Comissão), pretendendo que se iniciasse de imediato a negociação do pacto. Esta proposta foi, no entanto, rejeitada. Só a 10 de dezembro, devido às manifestas divergências entre as posições dos partidos e os dispostos da Plataforma, o grupo parlamentar do PS apresentou uma nova proposta[nota 82], na qual se proponha a suspensão do debate sobre o parecer da 5.ª Comissão e se encetassem diligências junto do Conselho da Revolução para a revisão da Plataforma de Acordo Constitucional. Esta foi aprovada, com 21 votos contra (PCP) e 3 abstenções (MDP/CDE), passando a Assembleia a discutir nas sessões seguintes o parecer da Comissão dos "Tribunais".[43][44]