Carta do Trabalho, promulgada durante a Itália Fascista em 1927

A Carta do Trabalho (italiano: Carta del Lavoro) foi o documento no qual o Partido Nacional Fascista de Benito Mussolini apresentou as linhas de orientação que deveriam guiar as relações de trabalho na sociedade italiana, em particular entre empregadores, trabalhadores e Estado, estabelecendo um modelo político-econômico corporativista.[1] A Carta foi promulgada pelo Grande Conselho do Fascismo em 21 de abril de 1927 e publicada no jornal Lavoro d'Italia em 23 de abril. Foi desenhada principalmente por Giuseppe Bottai, Ministro das Corporações, sendo elaborado por Carlo Costamagna e revisada e corrigida por Alfredo Rocco.

Segundo este documento, todos deveriam seguir as orientações e o interesse do Estado, subordinando a produção ao poder do Estado e ao crescimento da nação.[2] A sociedade foi autorizada a se organizar em corporações, ou seja, entidades como associações de empregadores e sindicatos de trabalhadores que representavam não a diversidade de interesses, mas a coletividade. Este modelo ficou conhecido como corporativismo e foi replicado em Portugal (pelo Estatuto do Trabalho Nacional), na Turquia por Ataturk e na França.

Antecedentes

Prussianismo e Socialismo

Prussianismo e Socialismo foi um livro escrito por Oswald Spengler. Nele, Spengler denuncia o marxismo por ter desenvolvido o socialismo a partir de uma perspectiva inglesa, sem compreender a natureza socialista dos alemães.[3] Spengler acusou o marxismo de seguir a tradição britânica em que os pobres invejam os ricos, afirmando que o marxismo buscava treinar o proletariado para "expropriar o expropriador", o capitalista, para que o proletariado pudesse viver uma vida de ócio como resultado da expropriação. Para Spengler, o "marxismo era o capitalismo da classe trabalhadora" e não o verdadeiro socialismo.[3] O verdadeiro socialismo, de acordo com Splenger, tomaria a forma de um corporativismo no qual "as corporações locais (seriam) organizadas de acordo com a importância de cada ocupação para o povo como um todo".[3]

Carta de Carnaro

A Carta de Carnaro foi escrita pelo sindicalista Alceste de Ambris e retrabalhada pelo poeta Gabriele d'Anunzio sendo promulgada por ele em 8 de setembro de 1920 em Fiume durante os últimos meses da Impresa di Fiume. Neste documento é estabelecido um estado corporativo[4] com nove corporações para representar os diferentes setores da economia, mais uma décima corporação simbólica idealizada por d'Anunzio para representar os "indivíduos superiores" (poetas, "heróis" e "super-homens").

Preparação e aprovação

O documento foi preparado e discutido pela primeira vez em 6 de janeiro de 1927, mas sua promulgação foi adiada devido ao debate nas confederações fascistas de trabalhadores e empregadores. O texto foi aprovado pelo Grande Conselho do Fascismo em 21 de abril de 1927. Foi publicado em 23 de abril no Lavoro d'Italia e no Diário Oficial nº 100 em 30 de abril. Ele traz as assinaturas do chefe do governo, ministros, líderes do Partido, presidentes das confederações profissionais fascistas de empregadores e trabalhadores e consiste em 30 declarações[5] numeradas em algarismos romanos. Declara que o trabalho é um dever social e que seu objetivo é garantir o poder da nação determinando o fim da luta de classes através da colaboração de classes.

Segundo Giovanni Gentile, considerado o "filósofo do fascismo":[6]

Jamais nenhum documento oficial expressou com tanta clareza o caráter ético do Estado em geral e em particular na atividade econômica, como a Carta do Trabalho em suas premissas fundamentais e com todo o espírito que a rege. A nação é uma unidade moral, política e econômica.

Para Casini, na revista fascista Gerarchia, os pontos fundamentais mais inovadores da Carta foram três: o reconhecimento das corporações, a propriedade privada e o contrato coletivo de trabalho que se tornou obrigatório.

Conteúdo

A Carta está subdividida em:[2][7][8]

Do estado corporativo e sua organização (I - X)

O contrato coletivo de trabalho e as garantias de trabalho (XI - XXI)

Dos escritórios de colocação (XXII - XXV)

De segurança, assistência, educação e ensino (XXVI - XXX)

Criou uma Corte do Trabalho para regular as controvérsias trabalhistas (artigo 5), bem como corporações voltadas para a superação do conflito de classes. Esse objetivo foi mais ou menos concretizado na lei das corporações de 1934, embora os trabalhadores não tivessem a possibilidade de eleger seus representantes, que eram indicados pelo Estado. Além desses representantes dos trabalhadores indicados pelo estado, as empresas incluíam representantes dos diretores das empresas.

Contratos coletivos (estabelecidos pelo artigo 4) foram negociados após a emissão da Carta do Trabalho, mas com o efeito de uma diminuição dos salários. Felizmente, os contratos coletivos foram capazes de garantir emprego a longo prazo e bem-estar em larga escala, incluindo férias pagas e muitos outros benefícios que os trabalhadores não tinham desfrutado anteriormente.[9] Somente durante a Grande Depressão o estado subsidiou o bem-estar; até então, os empregadores foram obrigados a pagar por todos os benefícios.[9]

Notas e referências

  1. Sawdust Caesar: The Untold History of Mussolini and Fascism p. 426.
  2. a b «La Carta del lavoro (1927)». web.archive.org. 16 de abril de 2017. Consultado em 17 de janeiro de 2021 
  3. a b c H. Stuart Hughes (1992) Oswald Spengler. New Brunswick, New Jersey, USA: Transaction Publishers. p. 108.
  4. Parlato, Giuseppe (2000). La sinistra fascista. Bologna: Il Mulino. p. 88.
  5. «Carta del lavoro nell'Enciclopedia Treccani». www.treccani.it (em italiano). Consultado em 17 de janeiro de 2021 
  6. Giovanni Gentile, rivista mensile di cultura politica “Educazione fascista”
  7. «Carta del Lavoro» 
  8. «Carta del Lavoro» (PDF). web.archive.org. 22 de julho de 2011. Consultado em 17 de janeiro de 2021 
  9. a b Sarti, Roland (1968). Fascism and the industrial leadership: A study in the expansion of private power under Fascism. [S.l.: s.n.] 

Ver também