Lobisomem ou licantropo (do grego λυκάνθρωπος: λύκος, lýkos, "lobo" e άνθρωπος, ánthrōpos, "humano"), é um ser lendário que é descrito como um humano capaz de se transformar em lobo ou em algo semelhante a um lobo em noites de lua cheia.
Tais lendas são muito antigas e encontram a sua raiz na mitologia grega. Segundo As Metamorfoses de Ovídio, Licaão, o rei da Arcádia, serviu a carne de Árcade a Zeus e este, como castigo, transformou-o em lobo (Met. I. 237). Uma das personagens mais famosas foi o pugilista arcádio Damarco da Parrásia, herói olímpico que assumiu a forma de lobo nove anos após um sacrifício a Zeus Liceu, lenda atestada pelo geógrafo Pausânias.[carece de fontes]
O lobisomem é um conceito difundido no folclore europeu, possuindo diversas variantes relacionadas a um desenvolvimento em comum de uma interpretação cristã do folclore europeu do período medieval. Desde o início do período moderno, as crenças dos lobisomens também se espalharam para o Novo Mundo com o colonialismo. A crença nos lobisomens desenvolveu-se em paralelo à crença nas bruxas, no final da Idade Média e no início do período moderno. Tal como os julgamentos de bruxaria como um todo, o julgamento de supostos lobisomens surgiu no que hoje é a Suíça (especialmente Valais e Vaud) no início do século XV e espalhou-se por toda a Europa no século XVI, atingindo o pico no século XVII e diminuindo no século XVIII.[1]
A perseguição aos lobisomens e o folclore associado fez parte do fenómeno da "caça às bruxas", embora marginal, estando as acusações de licantropia envolvidas apenas numa pequena fracção dos julgamentos de bruxaria. A licantropia (transformação em lobo) foi muitas vezes misturada com acusações de montar em ou encantar lobos. O caso de Peter Stumpp (1589) levou a um pico significativo no interesse e na perseguição de supostos lobisomens, principalmente na Europa de língua francesa e alemã. O fenómeno persistiu durante mais tempo na Baviera e na Áustria, com a perseguição aos encantadores de lobos registada até bem depois de 1650, tendo os casos finais ocorrido no início do século XVIII na Caríntia e na Estíria.
Segundo lendas mais modernas, para matar um lobisomem é preciso acertá-lo com artefatos feitos de prata, sendo a bala de prata o mais conhecido deles.
O tema europeu do lobisomem diabólico devorando carne humana remonta a um desenvolvimento comum durante a Idade Média no contexto do cristianismo, embora as histórias de humanos que se transformam em lobos tenham as suas raízes em crenças pré-cristãs anteriores.[2][3]
Sua origem comum subjacente remonta à mitologia proto-indo-européia, onde a licantropia é reconstruída como um aspecto da iniciação da classe guerreira kóryos, que pode ter incluído um culto focado em cães e lobos identificados com uma faixa etária de guerreiros jovens e solteiros.[4] A visão geral comparativa padrão deste aspecto da mitologia indo-europeia é McCone (1987).[5]
Algumas referências a homens se transformando em lobos são encontradas na literatura e no folclore da Grécia Antiga. Heródoto, em sua obra "Histórias"[6], escreveu que, de acordo com o que os citas e os gregos estabelecidos na Cítia lhe contaram, os Neuri, que era uma tribo ao nordeste da Cítia, eram todos transformados em lobos uma vez por ano, durante vários dias; e então voltavam à sua forma humana. Ele acrescentou que não está convencido da história, mas os moradores locais juravam que era verdade[7]. Este conto também foi mencionado por Pomponius Mela.[8]
No século II AC, o geógrafo grego Pausânias contou a história do rei Licaão da Arcádia, que foi transformado em lobo porque sacrificou uma criança no altar de Zeus Liceu.[9] Na versão da lenda contada por Ovídio em sua obra Metamorfoses,[10] quando Zeus visita Lycaon disfarçado de homem comum, Lycaon quer testar se ele é realmente um deus. Para tanto, ele mata um refém molossiano e entrega suas entranhas a Zeus. Enojado, o deus transforma Lycaon em um lobo. No entanto, em outros relatos da lenda, como o da Bibliotheca de Apolodoro,[11] Zeus ataca ele e seus filhos com raios como punição.
Pausânias também relata a história de um homem da Arcádia, chamado Damarco de Parrhasia, que foi transformado em lobo após provar as entranhas de uma criança humana sacrificada a Zeus. Ele foi restaurado à forma humana 10 anos depois e se tornou um campeão olímpico.[12] Esta história também é contada por Plínio, o Velho, que chama o homem de Demaenetus citando Agriopas.[13] Segundo Pausânias, este não foi um acontecimento único, mas sim que homens foram transformados em lobos durante os sacrifícios a Zeus Liceu desde a época de Licaão. Se eles se abstivessem de comer carne humana enquanto eram lobos, seriam restaurados à forma humana nove anos depois, mas se não se abstivessem, permaneceriam lobos para sempre.[14]
Os primeiros autores cristãos também mencionaram lobisomens. Na obra "Cidade de Deus", Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) dá um relato semelhante ao encontrado em Plínio, o Velho. Agostinho explica que "é geralmente aceito que, por certos feitiços de bruxa, os homens podem ser transformados em lobos..."[15] A metamorfose física também foi mencionada no Capitulatum Episcopi, atribuído ao Concílio de Ancira no século IV, que se tornou o texto doutrinário da Igreja em relação à magia, bruxas e transformações como as dos lobisomens.[16] O Capitulatum Episcopi afirma que "Quem acredita que qualquer coisa pode ser... transformada em outra espécie ou semelhança, exceto pelo próprio Deus... é sem dúvida um infiel."[16]
O Licantropo dos gregos é o mesmo que o Versipélio dos romanos, o Volkodlák dos eslavos, o Werewolf ou Dracopyre dos saxões, o Werwolf dos alemães, o Óboroten dos russos, o Hamtammr dos nórdicos, o Loup-garou dos franceses, o Lobisomem dos brasileiros e da América Central e do Sul, com suas modificações fáceis de Lubiszon, Lobisomem, Lubishome; nas lendas destes povos, trata-se sempre da crença na metamorfose humana em lobo, por um castigo divino.
Ver também: Luison |
No Brasil existem muitas versões dessa lenda, variando de acordo com a região. Uma versão diz que a sétima criança em uma sequência de filhos do mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem. Outra versão diz o mesmo de um menino nascido após uma sucessão de sete mulheres. Outra, ainda, diz que o oitavo filho se tornará a fera. Outra já diz que é após a morte de um familiar que possuía a aberração e passou de pai para filho, avô para neto e assim por diante.
As pessoas conhecem o licantropo na forma humana através de comportamentos estranhos, como mudança de comportamento, misteriosa e quase sempre com olhos cansados (olheira), o licantropo na forma humana é uma pessoa muito atenta as outras, sempre desconfiando de tudo como por exemplo, tem muito medo de ser descoberta a humanidade que é uma aberração, porém é muito protetora em forma humana.
Em algumas regiões, o Lobisomem se transforma à meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada. Como o nome diz, é metade lobo, metade homem. Depois de transformado, sai à noite procurando sangue, matando ferozmente tudo que se move. Antes do amanhecer, ele procura a mesma encruzilhada para voltar a ser homem.
Em algumas localidades diz-se que eles têm preferência por bebês não batizados,o que faz com que as famílias batizem suas crianças o mais rápido possível. Já em outras diz-se que ele se transforma se espojando onde um jumento se espojou e dizendo algumas palavras do livro de São Cipriano e assim podendo sair transformado comendo porcarias até que quase se amanheça retornando ao local em que se transformou para voltar a ser homem novamente. No interior do estado de Rondônia, o lobisomem após se transformar, tem de atravessar correndo sete cemitérios até o amanhecer para voltar a ser humano. Caso contrário ficará em forma de besta até a morte. O escritor brasileiro João Simões Lopes Neto escreveu assim sobre o lobisomem: "Diziam que eram homens que havendo tido relações impuras com as suas comadres, emagreciam; todas as sextas-feiras, alta noite, saíam de suas casas transformados em cachorro ou em porco, e mordiam as pessoas que a tais desoras encontravam; estas, por sua vez, ficavam sujeitas a transformarem-se em Lobisomens…"[17]
Há também quem diga que um oitavo filho que tem sete irmãs mais velhas se torna lobisomem ao completar treze anos. Também dizem que o sétimo filho de um sétimo filho se tornará um lobisomem.
Outra versão porém relata que aquele que é amaldiçoado precisa se espojar nu em um local onde um animal (geralmente jumento) se espojou, enquanto recita palavras do livro de São Cipriano[18] ou reza o credo ao avesso três vezes.
A lenda do lobisomem é muito conhecida no folclore brasileiro, e assim como em todo o mundo, os lobisomens são temidos por quem acredita em sua lenda. Algumas pessoas dizem que além da prata o fogo também pode matar um lobisomem. Outras acreditam que eles se transformam totalmente em lobos e não metade lobo metade homem.
Algumas lendas também dizem que se um ser humano for mordido por um lobisomem, e não o encontrar a cura até a 12ª badalada desse mesmo dia, ficará lobisomem para toda a eternidade.
A versão feminina do lobisomem é chamada lobanil.
Há referências muito antigas ao lobisomem em Portugal. Aparece no Rifão de Álvaro de Brito (Cancioneiro Geral):
É também mencionado no Vocabulario Portuguez e Latino de Rafael Bluteau (tomo V, p. 195) e nos sonetos de Bocage:
No século XIX, Alexandre Herculano escreveu assim sobre o lobisomem da região da Beira-Baixa: "Os lubis-homens são aqueles que têm o fado ou sina de se despirem de noite no meio de qualquer caminho, principalmente encruzilhada, darem cinco voltas, espojando-se no chão em lugar onde se espojasse algum animal, e em virtude disso transformarem-se na figura do animal pré-espojado. Esta pobre gente não faz mal a ninguém, e só anda cumprindo a sua sina, no que têm uma cenreira mui galante, porque não passam por caminho ou rua, onde haja luzes, senão dando grandes assopros e assobios para se lhas apaguem, de modo que seria a coisa mais fácil deste mundo apanhar em flagrante um lubis-homem, acendendo luzes por todos os lados por onde ele pudesse sair do sítio em que fosse pressentido. É verdade que nenhum dos que contam semelhantes histórias fez a experiência". (A. Herculano, Opúsculos, Tomo IX, Bertrand, Lisboa, 1909, p. 176-177).
Nos seus estudos sobre mitologia popular, o escritor e etnógrafo português Alexandre Parafita reconhece que, embora a designação sugira tratar-se de um ser híbrido de homem e lobo, muitas das crenças sobre esta criatura identificam-na na figura tanto de lobo, como cavalo, burro ou bode, consistindo o seu fadário em ir despir-se à meia-noite numa encruzilhada, espojando-se no chão, onde um animal já antes fizera o mesmo, após o que se transforma nesse animal para ir “correr fado”.
A representação na figura híbrida de homem e lobo não é alheia ao desassossego que este animal provoca, desde tempos imemoriais, no inconsciente colectivo. Escreve este autor: “As comunidades rurais transmontanas ainda hoje o encaram como um animal cruel, implacável com os seres mais indefesos, inimigo de pastores, dos caminhantes da noite e pesadelo permanente das crianças que habitam nas aldeias mais isoladas. Não se estranha, por isso, que no fabulário popular o lobo apareça como símbolo do mal e que o conceito de lobisomem, enquanto produto da fantasia popular, possa ser considerado como uma tentativa de apresentar uma criatura onde se conjuga a ferocidade maléfica do lobo com as emoções, ora angustiosas, ora igualmente maléficas, do homem”.[19]
Peeira ou fada dos lobos é o nome que se dá às jovens que se tornam nas guardadoras ou companheiras de lobos. Elas são a versão feminina do lobisomem e fazem parte das lendas de Portugal e da Galiza.[20] A peeira tem o dom de comunicar e controlar alcateias de lobos.[21]
Um extenso relato sobre o lobisomem fêmea português encontra-se nas Travels in Portugal de John Latouche (London, [1875], p. 28-36).
No romance best-seller Covil Das Lobas, S S. [22]é possível observar diversas peeiras em uma versão feminina do lobis-homem nas criaturas que dominam e controlam a cidade de Meer,[23] sendo metade mulher metade loba, conhecidas pela beleza hipnotizante além de outros diversos talentos.
Camilo Castelo Branco escreveu nos Mistérios de Lisboa: "A porta em que bateu o padre Diniz comunicava para a sala em que estavam duas criadas da duquesa, cabeceando com sono, depois que se fartaram de anotar as excentricidades de sua ama, que, a acreditá-las, há cinco anos que cumpria fado, espécie de Loba-mulher, ou Lobis-homem fêmea, se os há, como nós sinceramente acreditamos." (Vol.I, Porto, 1864, p. 136).
O corredor é a pessoa que tem que correr o fado. O corredor é um ser mutante, pode assumir a forma de lobo, de cão ou outro animal. Quando se encontra um para quebrar o fado deve-se fazer sangue, isto é, fazê-lo sangrar.[24]
O Tardo é uma espécie de duende, um ser mutante que assume formas de animais mas que pode transformar-se num lobisomem se ao fim de sete anos não lhe quebrarem o fado.
Os corrilários são as almas penadas em figura de cão. Se um lobisomem morre antes de terminar o seu fadário, depois de morto termina os seus dias como corrilario.
A editora norte-americana White Wolf produziu dois RPGs onde os lobisomens são os protagonistas.
O jogo de "horror selvagem", Lobisomem: O Apocalipse é um RPG storyteller criado para o cenário Mundo das Trevas. Diferente dos vampiros, os Garou (como os lobisomens se autodenominam) são guerreiros que buscam salvar a natureza e o mundo de uma poderosa força destruidora chamada Wyrm. Ao mesmo tempo, porém, precisam encarar a realidade de que não são os humanos (ou lobos) que pensavam que eram. Com elementos de horror, violência, ecologia, críticas sociais e panteísmo, Lobisomem: O Apocalipse foi um dos grandes sucessos da editora do Antigo Mundo das Trevas finalizado em 2004 pela White Wolf e recentemente retomado em 2015.
Werewolf: The Forsaken é um RPG ambientado no Novo Mundo das Trevas criado pela White Wolf Editora traduzido no Brasil como "Lobisomem: Os Destituídos". É o sucessor comercial de Lobisomem: O Apocalipse, porém não é uma continuação do jogo anterior; o "jogo de horror selvagem" da linha de jogos do Mundo das Trevas original. Como em Lobisomem: O Apocalipse, o jogo é construído com base nos mitos da cultura popular para criar uma visão única dos lobisomens, embora haja diferenças enormes entre Forsaken e seu antecessor. Por exemplo, o jogo apresenta um sistema de auspícios baseado nas cinco fases da lua, e cada o papel de cada jogador correspondendo aos auspícios continuam o mesmo com relação ao Apocalipse.