Florestan Fernandes | |
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Deputado federal por São Paulo | |
Período | 1 de fevereiro de 1987 a 31 de janeiro de 1995 |
Legislatura | 48ª (1987 - 1991) 49ª (1991 - 1995) |
Dados pessoais | |
Nascimento | 22 de julho de 1920 São Paulo, SP |
Morte | 10 de agosto de 1995 (75 anos) São Paulo, SP |
Alma mater | Universidade de São Paulo |
Prêmio(s) | Prêmio Jabuti (1964) |
Partido | PSR (1943-1950) PT (1980-1995) |
Profissão | sociólogo |
Florestan Fernandes (São Paulo, 22 de julho de 1920 – São Paulo, 10 de agosto de 1995) foi um sociólogo brasileiro. Patrono da sociologia brasileira sob a lei nº 11 325,[1] Florestan é um dos intelectuais brasileiros mais influentes do Século XX, e em seu nome foram batizados auditórios, escolas, centros de estudantes e bibliotecas, como a da Universidade de São Paulo, e diversos edifícios públicos.[2]
Florestan teve uma trajetória peculiar para um acadêmico brasileiro: de origens humildes, trabalhou desde a sua infância, como engraxate e garçom enquanto cursava a escola primária. Segundo ele, sua formação acadêmica nunca se sobrepôs que ele chamou de sua formação humana, adquirida nas relações pessoais por trabalhar durante sua infância e adolescência.[2]
Ele produziu uma sociologia crítica que atravessou as paredes da universidade e o acompanha numa vida de intenso debate público e militância política. Também foi deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores, e participou da Assembleia Nacional Constituinte.[3][4] Recebeu o Prêmio Jabuti em 1964, pelo livro Corpo e Alma do Brasil[5] e foi agraciado postumamente em 1996 com o Prêmio Anísio Teixeira.[6][7]
Segundo seus próprios relatos, Florestan Fernandes teve, ainda criança, o interesse pelos estudos despertado principalmente pela diversidade dos lugares onde passou sua infância.[8] Afilhado de Hermínia Bresser, filha da professora abolicionista Anna Bresser, Florestan reconhecia a importância da madrinha na ajuda para estudar:
"O fato é que embora eu não estudasse organizadamente, pelo fato de ter nascido na casa de dona Hermínia Bresser de Lima aprendi o que era livro, a importância de estudar e com pouco mais de seis anos adquiri uma disciplina".[9][10]
"Na casa de minha madrinha, uma senhora da família Bresser que falava francês, tocava piano [...] Lá aprendi a ler.[11][12]
"Visitava frequentemente a minha madrinha. No dia do meu aniversário, ou então na época de Natal, quase sempre ela ia me visitar de automóvel – ela tinha um chofer com libré etc. – para levar um presente. Então, essa era a única alegria que eu tinha durante o ano."[13]
Filho de mãe solteira, não conheceu o pai.[14] O avô materno trabalhou como colono numa fazenda no interior de São Paulo, tendo morrido por tuberculose, e a mãe, após se mudar para a capital paulista, trabalhou como empregada doméstica.[15] Ganhou o nome do motorista alemão de sua madrinha, amigo de sua mãe.[16][17] Começou a trabalhar, como auxiliar numa barbearia aos seis anos de idade.[18] Também foi engraxate.[18] Viveu entre a "grande casa" de Dona Hermínia e cortiços, em diversos pontos da cidade. Situação que motivou a solicitação de sua tutela por sua madrinha, buscando dar-lhe melhores condições, mas negado por sua mãe.[19][20]
Estudou até o terceiro ano do primeiro grau. Só mais tarde, voltaria a estudar, fazendo curso de madureza, estimulado por frequentadores do Bar Bidu, no centro de São Paulo, onde trabalhava como garçom.[21][22][23]
Em seus relatos, Florestan contou as dificuldades vivenciadas pelas pessoas que considerava lumpen-proletários para conseguir até os mais simples empregos, grupo no qual se identificava:
"Os preconceitos contra esse tipo gente atingiam tais proporções que, nem com o apoio de Clara Augusta Bresser, irmã de minha madrinha, jamais logrei outra espécie de emprego. O mínimo que se pensava, sobre aquele tipo de gente, é que éramos ladrões ou imprestáveis!...".[24] "A minha madrinha pediu à Clara Augusta Bresser, a irmã dela, que através do Morse, que era um dos fregueses do bar, que ele me arranjasse um lugar nas organizações dele. Ele foi dono da Drogaria Morse e depois um dos principais acionistas da Drogasil."[25]
Contudo, Florestan considera que a diversidade das experiências de sua infância foram fundamentais para conhecer outras realidades, aprofundando seu olhar sobre a sociedade brasileira: "Aquilo que poucos da plebe conseguiam ter, a ideia do que era a outra vida, a vida dos ricos, dos poderosos – eu era capaz de perceber através de experiências concretas. Isso foi importante porque me levou a valorizar a instrução, a querer ler e estudar, a procurar uma ponte para não me conformar com aquela situação que eu ficava.”[26]
No ano de 1941, Florestan ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLH), instituto vinculado a Universidade de São Paulo (USP), formando-se no curso de Ciências sociais.[27]
Iniciou sua carreira docente em 1945, como assistente do professor Fernando de Azevedo, na cadeira de Sociologia II.[28] Na Escola Livre de Sociologia e Política, obteve o seu título de mestre com a dissertação "A organização social dos Tupinambá".[29] No ano de 1951 defendeu, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a tese de doutoramento "A função social da guerra na sociedade tupinambá", posteriormente consagrado como clássico da etnologia brasileira, que explora o método funcionalista.[30]
Uma linha de trabalho característica de Florestan na década de 1950 foi o estudo das perspectivas teórico-metodológicas da sociologia.[31] Seus ensaios mais importantes acerca da fundamentação da sociologia como ciência foram, posteriormente, reunidos no livro "Fundamentos empíricos da explicação sociológica".[32][33] Seu comprometimento intelectual com o desenvolvimento da ciência no Brasil, entendido como requisito básico para a inserção do país na civilização moderna, científica e tecnológica, situa sua atuação na Campanha de Defesa da Escola Pública, em prol do ensino público, laico e gratuito enquanto direito fundamental do cidadão do mundo moderno.[4]
No ano de 1960, juntamente com outros intelectuais brasileiros, participa da criação da União Cultural Brasil-União Soviética, atual União cultural pela amizade dos povos.[34][35]
Durante o período de 1954 e 1964, foi regente da cátedra, livre docente e professor titular na cadeira de Sociologia, substituindo o sociólogo e professor francês Roger Bastide em caráter interino até 1964, ano em que se efetivou na cátedra, com a tese "A integração do negro na sociedade de classes".[36][37] Como o título da obra permite entrever, o período caracteriza-se pelo estudo da inserção da sociedade nacional na civilização moderna, em um programa de pesquisa voltado para o desenvolvimento de uma sociologia brasileira.[4]
Nesse âmbito, orientou dezenas de dissertações e teses acerca dos processos de industrialização e mudança social no país e teorizou os dilemas do subdesenvolvimento capitalista.[32][38] Inicialmente no bojo dos debates em torno das reformas de base e, posteriormente, após o golpe de Estado, nos termos da reforma universitária coordenada pelos militares, produziu diagnósticos substanciais sobre a situação educacional e a questão da universidade pública, identificando os obstáculos históricos e sociais ao desenvolvimento da ciência e da cultura na sociedade brasileira inserida na periferia do capitalismo monopolista.[4]
Aposentado compulsoriamente pela ditadura militar em 1969, foi Visiting Scholar na Universidade de Columbia, professor titular na Universidade de Toronto e Visiting Professor na Universidade de Yale e, a partir de 1978, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).[39][40][41]
No ano de 1975, veio a público a obra A revolução burguesa no Brasil, que renova radicalmente concepções tradicionais e contemporâneas da burguesia e do desenvolvimento do capitalismo no país, em uma análise tecida com diferentes perspectivas teóricas da sociologia, que faz dialogar problemas formulados em tom weberiano com interpretações alinhadas à dialética marxista.[21][32] No início de 1979, retornou a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, agora reformada, para um curso de férias sobre a experiência socialista em Cuba, a convite dos estudantes do Centro acadêmico de Ciências Sociais.[42]
Em suas análises sobre o socialismo, apropriou-se de variadas perspectivas do marxismo clássico e moderno, forjando uma concepção teórico-prática que se diferencia a um só tempo do dogmatismo teórico e da prática de concessões da esquerda.[43] Tendo colaborado com a Folha de S.Paulo desde a década de 1940, passou, em junho de 1989, a ter uma coluna semanal nesse jornal até o ano de 1995.[44]
Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, juntamente com outros intelectuais como Sérgio Buarque de Holanda, Mário Pedrosa e de Apolônio de Carvalho.[45][46]
No ano de 1986, foi eleito deputado constituinte pelo PT, tendo atuação destacada em discussões nos debates sobre a educação pública e gratuita.[21][47] Em 1990, foi reeleito para a Câmara Federal.[48]
Ano | Cargo | Partido | Votos | Resultado | Ref. |
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1986 | Deputado federal de São Paulo | PT | 50 024 | Eleito | [49] |
1990 | Deputado federal de São Paulo | 27 676 | Eleito |
Foi casado com Myriam Rodrigues Fernandes, de 1944 até a morte de Florestan no ano de 1995.[50][51] O casal teve seis filhos: Heloisa, Noêmia, Beatriz, Silvia, Miriam Lúcia e Florestan Júnior.[50][52]
Em agosto de 1995, Florestan se submeteu a um transplante de fígado no Hospital das Clínicas de São Paulo. O transplante foi mal sucedido e ele morreu seis dias depois devido a uma embolia pulmonar. O médico Silvano Raia, responsável por chefiar a equipe que realizou o transplante, descreveu a morte do sociólogo como uma "fatalidade" e recebeu, posteriormente, uma "advertência confidencial" do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que entendeu que Raia infringiu dois artigos do Código de Ética Médica.[53][54]
O nome de Florestan Fernandes está obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica no Brasil e na América Latina. Sociólogo e professor universitário, com mais de cinquenta obras publicadas, ele transformou o pensamento social no país e estabeleceu um novo estilo de investigação sociológica, marcado pelo rigor analítico e crítico, e um novo padrão de atuação intelectual.[55]
O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que foi orientado em seus trabalhos acadêmicos por Florestan, estabeleceu com ele forte relação afetiva, mantida até a morte do sociólogo.[32][56]
A biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo recebeu o nome de Biblioteca Florestan Fernandes.[57]
O teatro do campus-sede da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) leva o nome de Florestan Fernandes, e a biblioteca situada em frente a ele possui, em seu último andar, o acervo de livros que Florestan deixou em sua residência.[58] Este acervo conta com clássicos da literatura mundial, obras fundamentais da sociologia, filosofia, política e antropologia, bem como diversos livros da produção literária e científica latino-americana. Parte do acervo está disponível para empréstimo.[59]
Em Diadema, região do ABC Paulista, foi fundada em 1996, um ano após a sua morte, a Fundação Florestan Fernandes. Trata-se de um órgão sem fins lucrativos de regimento e estatuto interno. A escola tem como objetivo o ensino de alguns cursos profissionalizantes e grande foco nos jovens em busca das primeiras oportunidades de emprego.[60]
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